sexta-feira, 3 de abril de 2009

A DELICIOSA POÉTICA DE ARZÍRIO CARDOSO




Arzírio Cardoso, graduado em Letras Português-Espanhol e pós-graduando em Língua Portuguesa e Estudos Literários, escreve poemas e contos desde 2003. Suas principais influências, na poesia, são Paulo Leminski, José Paulo Paes, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, entre outros; já na prosa, destacam-se Jorge Luis Borges, Dalton Trevisan, Raduan Nassar, Italo Calvino, Kafka e José Saramago.
Em sua poesia, tenta comprimir e sintetizar o máximo possível a linguagem, já que um de seus ideais poéticos é a concisão e a precisão. Também é característica de sua poesia a mescla com a prosa, já que a concatenação dos versos muitas vezes revela uma ordem factual lógica, como se no poema houvesse um pequeno enredo com início, meio e fim, cujo objetivo é a busca da coesão e coerência internas.
Arzírio passou a integrar o grupo da oficina literária no início de 2009.






Eis alguns textos imperdíveis ...






Confissão

Hoje matei um homem. Três tiros. Três palavras. Lentos. Frios. Premeditados. Desejados por mais de trinta anos. O primeiro acertou de raspão o ombro esquerdo. Sua morte não deveria ser muito rápida. Aquela criatura mesquinha e castradora, antes de ser devorada pela morte e pelos vermes, deveria saber quem era o seu algoz. Reconheceu-me. Não tão incrédulo quanto eu esperava, mas ainda assim, incrédulo. Jamais me julgará impotente e covarde novamente. Segundo tiro. Consegui ser um pouco mais incisivo. Um excitante perfume de sangue espalhou-se pelo ar: o cio atraindo um cão sedento. Acertei-o na barriga. O contraste entre aquele vermelho melífluo e o branco repugnante daquela camisa causava-me um inenarrável prazer estético. Era o nascimento de uma obra transcendendo o seu autor. Mas a criatura manteve-se de pé, forte, apenas as costas um pouco curvadas. Olhou-me nos olhos. Creio que sorriu. Sempre o mesmo olhar soberbo e desprezível. Pacientemente, parecia aguardar o golpe final, implacável, impiedoso. Foi no coração, certeiro, sem réplica. Três balas. Em cada uma, uma palavra. Uma após outra, numa sucessão geometricamente gradativa de sensações cujo desfecho eu não imaginava ser tão fartamente prazeroso. Na primeira, a palavra “Eu”, seca, enfática, que assegurou à vitima o reconhecimento da intenção do ato. Na segunda, “Te”, o limiar entre uma certa perplexidade causada pelo primeiro tiro e a certeza do terceiro. Na última, “Odeio”, a queda do oponente e o gozo do assassino, que virou as costas e partiu, indiferente, com a sensação dignificante de dever cumprido. No chão, estendido, enlameado por aquele sangue sujo e diabético que escorria na direção do ralo do banheiro, ficou meu pai.

Arzírio Cardoso 08/07/2005



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grão de areia
logo ali
No pingo do i



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Humor:
Hummmm!!!



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Ao ver-te
Algo se inverte:
Antes, sinto-me Goethe
Após, Werther.



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Síntese

Sem tédio:
Sintético.



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Adão enlevado

O vagar de Eva
Em meio às ervas
Era devagar
E sem reservas.



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A algumas cabras
Sombra, leito, capim fresco.
Ao resto, os restos
Cabresto.



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Posse

E mesmo os nós
Dos “nossos” ossos
Serão nossos?



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O nome e a filosofia

Humano
DefiNietzschevamente
Humano



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Meus 5 anos

“a” era a letra da abelhinha
“e”, a do elefante
E ia por aí afora
Saudades do jardim de infância
Quando só as vogais
Estavam em voga.

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Entomologia

Infestação de amantes
Luxúria
Incesto.
Até que chegue o desinfetante
Festa incessante
A atividade sexual dos insetos.

Um comentário:

  1. A poesia de Arzírio é vibrante, e nos remete a um mundo pleno de possibilidades ;)

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