quarta-feira, 19 de agosto de 2009

O POVO BRASILEIRO, DE DARCY RIBEIRO, NA VISÃO DE MYCHEL RENATO LIMA

Mychel Renato Lima disserta sobre O Povo Brasileiro


Mychel Renato Lima nos acompanha na oficina de literatura desde o começo de 2009, sua presença nos encontros nos permitiu refletir um pouco mais acerca da realidade social, econômica e política do nosso país. Seus textos são engajados e, por ora, pungentes, levando-nos a pensar sobre o que a sociedade brasileira está fazendo neste século 21. Tal estilo é reflexo de suas leituras, sempre com um tom bastante crítico.



Mychel nasceu no interior do Paraná, na cidade de Paraná do Oeste. Como ele mesmo afirma, lê tudo que lhe chega às mãos, hábito que possui desde os dez anos. Criança com poucos amigos, fez dos livros seus grandes companheiros de vida, começando pelos clássicos da literatura. Entre seus "autores fundamentais" estão Aldous Huxley, Henry Miller e Machado de Assis.



A dissertação de Lima acerca da obra O Povo Brasileiro, do autor mineiro Darcy Ribeiro, nos fez discutir questões contundentes acerca do que o Brasil enfrentou e enfrenta em termos de relações sociais, políticas e econômicas.



Ribeiro, formado em Antropologia, dedicou seus primeiros anos de vida profissional ao estudo dos índios do Pantanal, do Brasil Central e da Amazônia, entre os anos de 1946 e 1956. Dedicou-se, ainda, à educação primária e superior, criando a Universidade de Brasília, da qual foi o primeiro reitor. Foi ministro da Educação, no Gabinete Hermes Lima e, também, Ministro Chefe da Casa Civil no governo de João Goulart.



Suas idéias romperam fronteiras, em especial na obra em destaque, mostrando como se deu a miscigenação brasileira desde a colonização do país pelos portugueses. Mychel destaca alguns fragmentos de O Povo Brasileiro que merecem ser pensados e repensados:





Darcy Ribeiro (1922-1997)

A mais terrível de nossas heranças é esta de levar sempre conosco a cicatriz de torturador impressa na alma e pronta a explodir na brutalidade racista e classista. Ela é que incandesce, ainda hoje, em tanta autoridade brasileira predisposta a torturar, seviciar e machucar os pobres que lhes caem às mãos. Ela, porém, provocando crescente indignação, nos dará forças, amanhã, para conter os processos e criar aqui uma sociedade solidária.




Ribeiro divide o livro em quatro partes nas quais discute, respectivamente, as etnias que iniciaram a nação (Novo Mundo), a miscigenação (Gestação Étnica), o impacto que a nação brasileira sofreu em busca de uma identidade nacional frente às guerras, industrialização, imigração e crises mundiais (Processo Sócio Cultural), os esteriótipos criados sobre as condições de vida em cada região do país (Brasis). Finalmente, "toca, corajosamente, na ferida do destino nacional: em nome da ganância de uns poucos, sacrifica-se o bem estar coletivo [...]".




Esta obra imperdível nos foi dada para ser apreciada e lentamente degustada. Pensemos a respeito: por que nunca foi lida nas escolas? Por que nunca fez parte de leitura obrigatória nas bibliotecas estudantis? Os governos desejam realmente que reflitamos a respeito? Estas questões são contundentes.


Mychel finaliza sua apresentação com uma citação de Darcy que, de fato, dispensa comentários:




Fracassei em tudo o que tentei na vida.
Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui.
Tentei salvar os índios, não consegui.
Tentei fazer uma universidade séria e fracassei.
Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei.
Mas os fracassos são minhas vitórias.
Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu.


Referências:
RIBERIO, Darcy. O Povo Brasileiro. A formação e o Sentido do Brasil. São Paulo. Companhia das Letras, 2ª edição, 1995.

5 comentários:

  1. A dissertação de Mychel nos fez refletir acerca do que o Brasil foi, é e será. Tenho esperança de que as escolas e universidades adotem "O Povo Brasileiro" como leitura obrigatória e o vejam, definitivamente,como paradigma do pensamento contemporâneo acerca do nosso país.

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  2. Interessante a resenha feita pelo Mychel, contudo, acredito que a expressão "leitura obrigatória" deve ser suavizada por "leitura indispensável" devido ao contexto pedagógico em que instituições, professores e alunos estão submetidos. Ademais, esse livro está nas prateleiras da Biblioteca do Professor em todas as Escolas Públicas do Paraná e, também, na biblioteca do aluno, portanto, à sua inteira disposição. Não somente esse livro, mas outros livros indispensáveis também estão nas bibliotecas das escolas paranaenses, como visto, o problema não é a falta do amparo didático, mas o interesse - e aqui o problema é social - em perpetualizar e contemplar o ensino a partir da história dos vencedores na qual os índios, negros, enfim, as minorias marginalizadas são vistas com desdém. Com essa mentalidade é que, Infelizmente, a ocupação torna-se invasão - como vista no cotidiano do MST - , a luta pela sobrevivência torna-se pirataria - como vista sob a ótica da imprensa no caso dos "piratas da Somália" etc., e assim nos apropriamos do discurso de uma elite como analisada por Foucalt., enfim, para finalizar, a pergunta retórica se é da intenção do governo que a obra seja lida é desapropriada no contexto em que vivemos - isso depende da orientação política da atual administração - , pois o livro está na biblioteca, a pergunta deveria ser: a escola possui um professor com interesse pela obra ou o professor ainda é subserviente aos poderes municipais - principalmente em cidades conservadoras como Campo Largo e Balsa Nova - , e, por isso, transforma a sua aula em palanque político em detrimento do recorte teórico?

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  3. O desinteresse por livros como este é bastante amplo, tanto por parte de governos - e aqui não me refiro apenas ao governo federal - quanto por parte de instituições públicas e privadas, incluindo seu corpo docente (obviamente não faço generalizações, o que seria um grande "pré-conceito")que, muitas vezes falha por despreparo, muitas vezes por absoluta falta de interesse. Livros como este, infelizmente, tendem a ficar empilhados em estantes de bibliotecas públicas e escolares, porque, muito bem sabemos, nosso histórico é de estudantes com formação precária, devido à falta de investimento em educação em nosso país e também à falta de incentivo à leitura. Programas que procuram criar leitores críticos muitas vezes deixam de existir pela simples falta de condição de existir.
    Em meu período de estudos universitários realizei uma pesquisa com professores da rede pública e privada de ensino e sabe quantos lêem ao menos um livro por ano (isso incluindo professores de língua portuguesa)? Menos da metade. Tal informação é preocupante e revela uma realidade absurda!!!
    Não estou aqui fazendo críticas a nenhum governo em específico (mesmo porque minha intenção, neste caso, não é discutir política ou politicagem), a nenhuma pessoa, seja professor ou aluno, em específico, estou apenas constatando uma realidade.
    É claro que não se pode deixar de mencionar que ainda existem pessoas, certos governos e instituições que ainda lutam pela educação e possuem programas interessantíssimos de incentivo à leitura e alfabetização. Mas o caminho é longo na formação do leitor verdadeiramente crítico, capaz de entender o mundo e atuar sobre ele. Enquanto a realidade for esta, os estigmas de inferioridade de raças (inclusive por parte da raça subjugada)não deixará de existir.

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  4. Não discordo de nada dito por você na última postagem, discordei anteriormente com o julgamento pré-concebido de que a obra não é lida nas escolas. Se livros como este ficam amontoados em estantes a culpa não deve recair apenas sob os ombros de um governo, como você mesmo mencionou muitos professores não sabem o que a biblioteca possui e claro a culpa também é do aluno que carregado nos braços de uma pedagogia paternalista acha que no espaço escolar tudo é permitido, menos a crítica - o famoso penso (duvido), logo existo.
    Alias a visão de Darcy Ribeiro é contrária a esse paternalismo – a inferioridade de classes é uma herança maldita e é essa inferioridade que impede a autonomia, o desenvolvimento etc., o Brasil de amanhã não será uma nação com leitores críticos enquanto esses leitores não tomarem as rédeas de seus destinos.
    Por fim acredito que é impossível falarmos sobre Darcy Ribeiro ou suas obras e não tocarmos na questão política - seria o mesmo que ler Thomas More e não falarmos em utopia. Ademais, falarmos sobre antropologia, sociologia e, por fim, educação sem a problemática política seria ler Darcy Ribeiro e não contemplar o seu engajamento político.

    Acho que a sua discussão política (pois você está discutindo política) é salutar e somente através de discussões políticas - como fez Ribeiro - a educação pode melhorar.

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  5. Que bom que concorda comigo, Eduardo! Também eu penso ser necessário discutir esta questão. Ok, falemos, então, em política, que é uma forma maravilhosa de discutir e atuar sobre o mundo, mas não falemos em politicagem. Fico triste em saber da realidade enfrentada por professores e alunos, muitos, obviamente, atuando com a total falta de interesse em adquirir conhecimento, mas muitos, infelizmente, penalizados por um terrível histórico de descaso com relação à educação. Falemos, então, em política. Não estou penalizando nenhum governo em específico, mas um histórico de inúmeros governos incapazes, ineficazes, ineficientes, desinteressados.
    Estou falando em chegar em uma escola para lecionar, durante meus estágios, e falo pela minha rápida experiência, porque não leciono atualmente, e me deparar com alunos (não todos, é claro, sejamos realistas)sedentos por conhecimento, mas sem nenhum direcionamento por falta de competência de certos professores. Não culpemos inteiramente a classe intelectual, mas também os inúmeros governos pelos quais já passamos e que nada fizeram pela aducação. Ao contrário, incutiram no índio, no negro, no marginalizado, a idéia de que ele sempre seria apenas isso,mais um em situação periférica perante a sociedade, de que ele nunca teria uma chance. Culpemos certas universidades elitistas que não se preocuparam em apresentar leituras adequadas aos seus estudantes e futuros professores.
    Como muitos professores farão chegar Darcy Ribeiro ao seu aluno se nem mesmo ouviram falar dele?
    Não temos memória histórica e política, nos vendemos por pouco, nós mesmos criamos aquilo que chamamos de corrupção, nós mesmos somos um pouco maquiavélicos neste sentido.
    Concordo com você que não podemos, absolutamente, criticar um governo em específico (já que estamos discutindo política), mas também não podemos isentar nenhum deles.
    Nós, formados para exercer uma licenciatura, não podemos abrir mão de nosso conhecimento e jogá-lo no lixo sem compartilhá-lo com a sociedade. Por isso temos, urgentemente, que criar leitores críticos, não apenas sujeitos alfabetizados, mas, principalmente, letrados, conscientes de suas ações no mundo, capazes de lê-lo e de agir para não mais serem iludidos e enganados passivamente.
    O aluno pensa que a crítica não é permitida na escola porque muitas vezes não lhe é dada a chance de pensar assim. Então, obviamente, fica muito mais fácil achar que se consegue tudo com violência e imposição de sua opinião. Ao aluno não foi dada a chance de refletir e discernir que ele pode e deve expressar suas necessidades e sua visão sobre o mundo. Mas que escola, embasada por um pensamento político falho e defasado, quer isso?
    A culpa não é apenas dos professores, dos alunos, das universidades, dos governos, a culpa é de todos que querem saber demais sobre tudo e, de forma inconsequente e inconsciente, acabam não sabendo nada. Veja, como exemplo, o caso de tantos pais que matriculam seus filhos em escolas privadas e, muitas vezes, exigem que eles utilizem apostilas de qualidade duvidosa (para não usar termos mais "inadequados") pelo simples fato de terem pago por tal material. Você pode imaginar um professor que realmente deseja fazer algo de significativo pelo seu aluno ter de ficar de mãos atadas por causa de um pai que nem ao menos reflete sobre o que é educação?
    Sim, a culpa é nossa, de uma forma, por vezes, cruel.
    A educação pode melhorar, você está certo, e isto é um ânimo para nós que temos esta preocupação. Melhorará com discussões políticas, mas, principalmente, com ações, algo que na atualidade é quase uma utopia, que o diga More.
    Fiquei muito feliz em ler sua opinião, Eduardo! É uma forma de vermos que, apesar das diferenças, sempre se pode vislumbrar uma forma de ajudar no desenvolvimento do nosso país!Espero que não fiquemos só na discussão, mas que tomemos as rédeas de nossos caminhos e façamos algo pela nossa nação.
    Como disse Ribeiro, antes sermos os fracassados que os supostos "vitoriosos"!!!

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